MLBR: o papel da Concert Space no Microlançador Brasileiro
O Microlançador Brasileiro (MLBR) é um projeto do governo brasileiro que visa desenvolver um foguete nacional de pequeno porte para colocar satélites em órbita baixa. Essa iniciativa estratégica envolve um arranjo de empresas e instituições brasileiras, unindo esforços públicos e privados para consolidar ou dominar completamente a tecnologia de lançadores de satélites (foguetes orbitais de grande porte). O desenvolvimento do MLBR representa um passo importante para ampliar a autonomia do Brasil no acesso ao espaço e fortalecer a soberania brasileira nessa área.
Lançar um foguete ao espaço é uma operação que exige que exige um baixíssimo nível de erro. Cada metro de altitude, cada grau de orientação e cada fração de velocidade precisam ser controlados durante o voo, pois um pequeno erro de navegação pode comprometer toda a missão. É crucial contar com sistemas inteligentes de navegação e controle para guiar o veículo pela trajetória correta. Sem eles, mesmo um foguete com energia de sobra falharia em colocar a carga útil na órbita desejada – seria como um carro possante sem motorista para conduzi-lo.
Neste artigo, vamos detalhar o papel da Concert Space – responsável pelos sistemas de navegação e controle – no projeto MLBR, mostrando como nossos sistemas inteligentes mantêm o foguete na rota correta. Continue lendo para entender como cada um desses sistemas opera durante o voo do microlançador.
Sobre o MLBR
O Microlançador Brasileiro (MLBR) é um projeto nacional em desenvolvimento de um veículo lançador de pequeno porte, focado em colocar satélites de órbita baixa. A iniciativa é financiada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – via Finep – em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB). Seu desenvolvimento está a cargo de um arranjo nacional que integra empresas brasileiras de base tecnológica - Cenic Engenharia, ETSYS, Concert Space, Delsis e Plasmahub - além de parceiras estratégicas como Bizu Space, Fibraforte, Almeida’s e HORUSEYE TECH.
Com 12 metros de altura, 1,1 metro de diâmetro e capacidade para transportar até 30 kg de carga útil em órbita baixa, o MLBR será um foguete de três estágios de propelente sólido. Reunindo especialistas de múltiplas áreas da engenharia, o programa busca ampliar a soberania do Brasil no acesso ao espaço, posicionando o país como desenvolvedor de lançadores orbitais completos.
Além de ampliar a soberania brasileira no espaço, o MLBR carrega um forte valor simbólico para o país: é a concretização de um esforço estratégico de décadas para colocar o Brasil entre as nações capazes de desenvolver e lançar seus próprios satélites. Seu sucesso reforça a imagem do país como um centro de inovação aeroespacial e inspira confiança na capacidade brasileira de alcançar marcos tecnológicos cada vez mais avançados.
  
Papel da Concert Space no MLBR
A Concert Space é a responsável principal pelos sistemas de navegação e missão do MLBR, um papel crítico dentro do projeto.
Cabem à empresa cinco entregáveis-chave: o Computador de Missão, o Sistema de Navegação Inercial híbrido (SNI-GNSS), os módulos eletrônicos do sistema de controle de reação (PHZ), a automação da rampa de lançamento e o sistema de controle da tubeira do primeiro estágio.
Entenda, a seguir, cada um desses itens:
1. Computador de Missão
O Computador de Missão (CDM) é o “cérebro do foguete” – o sistema eletrônico central que orquestra todas as etapas do voo. É ele que envia os comandos na hora certa para acionar os motores de cada estágio, separar os estágios esgotados e ativar sistemas auxiliares conforme necessário. Por exemplo, cabe ao CDM determinar quando desligar e ejetar o primeiro estágio e ligar o motor do segundo estágio, depois repetir o processo para o terceiro estágio, numa sequência precisa de eventos em frações de segundo.
Além disso, por razões de segurança, o CDM não comanda o sistema de autodestruição do foguete – responsabilidade exclusiva da ETSYS – evitando possíveis falhas no computador impeçam a destruição remota do foguete em caso de desvio grave de trajetória; fora essa exceção, ele assume o controle total do lançador durante o voo.
Para desempenhar função tão crítica, o hardware do CDM deve ser extremamente robusto e confiável, capaz de operar sob altas vibrações, acelerações e temperaturas. A Concert desenvolve esse computador de bordo sob medida para o MLBR, garantindo desempenho e redundâncias adequadas. Enquanto isso, outros parceiros do projeto — como a Plasmahub e a CLC — contribuem com os algoritmos de estabilidade, que alimentam o computador a bordo. Assim, esse ciclo fechado de monitoramento e correção ativa mantém o foguete no curso previsto até a inserção orbital.
2. Sistema de Navegação Inercial (SNI-GNSS)
Se o computador de missão é o cérebro, o Sistema de Navegação Inercial (SNI) funciona como os “olhos” do foguete, indicando sua posição, altitude, velocidade e orientação em tempo real. Trata-se de um conjunto de sensores – acelerômetros e giroscópios de alta precisão – e softwares que monitoram continuamente os movimentos do veículo e calculam para onde ele está indo, sem depender de referências externas.
No caso do MLBR, a Concert, em colaboração com a HORUSEYE TECH e a CRON Sistemas e Tecnologias Ltda, desenvolveram um SNI híbrido com GNSS (denominado SNI-GNSS), que combina navegação inercial pura e auxílio de sinais de satélite (como GPS e outros sistemas GNSS) para aumentar a precisão.
Na prática, o SNI-GNSS do MLBR funciona assim: os sensores inerciais medem as acelerações e rotações do foguete em seus eixos, e a partir desses dados o sistema calcula continuamente a posição e atitude do veículo. Como esse processo não requer nenhum sinal externo, o foguete “sabe” onde está e para onde vai mesmo no vácuo ou se houver perda de comunicação – não precisa de GPS ou radares externos para se orientar.
Entretanto, todo sistema inercial está sujeito a pequenos erros acumulados (deriva) conforme o tempo de voo aumenta. Por isso, o SNI-GNSS incorpora também um receptor de navegação por satélite, que periodicamente fornece uma correção absoluta de posição e velocidade quando disponível. Essa arquitetura híbrida garante maior precisão e confiabilidade: mesmo que o sinal de GPS/GNSS sofra interrupção momentânea, o foguete não fica “cego” – o SNI continua estimando a trajetória, e assim que a conexão retorna, as soluções de navegação são reajustadas com base no satélite.
Do ponto de vista tecnológico, dominar um SNI de alta precisão é um grande desafio e também um trunfo estratégico. Pouquíssimos países detêm essa capacidade devido às restrições internacionais de transferência de tecnologia inercial avançada (regras ITAR, etc.). Desenvolver internamente um SNI-GNSS insere o Brasil nesse seleto clube e evita ficar refém de embargos externos em um componente crítico do foguete.
  
3. Módulos eletrônicos do sistema de reação (PHZ)
Durante o voo espacial, especialmente nas fases em órbita ou em ausência de controle aerodinâmico, o foguete utiliza um Sistema de Controle de Reação para pequenos ajustes em sua trajetória. No MLBR, esse sistema consiste em múltiplos mini-propulsores de hidrazina – essencialmente pequenos motores-foguete que liberam jatos de gás para girar ou inclinar o veículo conforme necessário – os thrusters.
Esses thrusters de reação permitem, por exemplo, estabilizar o foguete após a queima do motor principal ou fazer a última correção fina de órbita. A Concert Space é responsável pelos módulos eletrônicos de controle desses propulsores, um subsistema – o PHZ. Em termos simples, o PHZ é o “driver” que aciona cada mini-motor no instante e na intensidade correta, de acordo com os comandos enviados pelo computador de missão.
Para que o controle de atitude seja eficaz, é preciso determinar quais propulsores acionar e por quanto tempo, gerando o torque/força desejado em cada eixo. O módulo desenvolvido pela Concert executa justamente essa função: recebe do software de bordo o comando (por exemplo, girar alguns graus em tal direção) e então liga ou desliga os thrusters correspondentes de forma precisa. Assim, o foguete pode corrigir sua orientação ou induzir rotações conforme necessário durante o voo.
Cada thruster do sistema de reação do MLBR é alimentado por um pequeno tanque de combustível (hidrazina, um propelente líquido hipergólico com larga utilização em satélites) e acionado por válvulas controladas eletronicamente. A Concert fornece a eletrônica de controle, enquanto a fabricação dos propulsores em si foi delegada a uma parceira experiente, a Fibraforte, empresa nacional que já desenvolveu esse tipo de thrusters para satélites do INPE.
4. Automação da rampa de lançamento
Antes mesmo de decolar, o MLBR conta com auxílio de sistemas de solo avançados. A Concert Space também atua na automação da rampa de lançamento, que é a estrutura de suporte e guinada que mantém o foguete em posição até instantes antes do disparo. Diferentemente de grandes veículos lançadores totalmente guiáveis em voo, microlançadores de combustível sólido como o MLBR dependem bastante do ajuste prévio de sua inclinação de lançamento, que garante que o foguete já saia “apontado” na direção certa.
Apontar o foguete no ângulo de elevação ideal na decolagem pode reduzir a necessidade de correções posteriores, economizando combustível reduzindo esforços sobre a estrutura e ampliando a precisão da inserção orbital. Para otimizar esse processo, a Concert está implementando um sistema automatizado de controle da rampa, capaz de posicionar o foguete no ângulo exato de lançamento.
5. Controle da tubeira do 1º estágio
Durante a queima do primeiro estágio – a fase de impulso mais potente do foguete –, o principal meio de controlar a direção do voo é por meio do desvio da tubeira do motor. Esse mecanismo, conhecido como Thrust Vector Control (TVC), permite “girar” o vetor de empuxo dotor para rrigir a trajetória em tempo real.
No MLBR, a tubeira do motor do 1º estágio é articulada por dois atuadores hidráulicos perpendiculares, que possibilitam direcionar o jato para cima/baixo e direita/esquerda (e combinações entre eles). Assim, pequenas mudanças no ângulo da tubeira resultam em forças que empurram o foguete de volta ao curso caso algum fator externo (como ventos ou assimetria de massa) o desvie da trajetória nominal.
A Concert Space incluiu inicialmente em seu escopo o desenvolvimento do sistema de controle da tubeira do 1º estágio, dada a sua íntima ligação com os demais sistemas de navegação. O funcionamento previsto é integrado: o Computador de Missão, ao detectar pelo SNI que o foguete está se desviando além do tolerado, envia comandos para os atuadores da tubeira, ajustando o ângulo do motor e consequentemente a direção do empuxo. Dois pistões – um em cada eixo – trabalham em conjunto para reposicionar a tubeira conforme necessário, garantindo que o MLBR retorne à trajetória programada.
O que muda para a indústria espacial brasileira
  
O desenvolvimento e a integração desses sistemas pelo Brasil representam um salto de autonomia para o programa espacial nacional. Ficou claro que, sem autonomia nesse setor, ficamos vulneráveis a decisões de outras nações sobre o que podemos ou não colocar em órbita. Com o MLBR e seus sistemas de controle e missão desenvolvidos internamente (ou sob total domínio nacional), o Brasil deixa de depender de fornecedores estrangeiros e assegura liberdade para levar adiante seus projetos espaciais estratégicos.
Do ponto de vista da indústria, os ganhos também são consideráveis. A participação ativa de empresas nacionais de alta tecnologia mostra um novo modelo de colaboração entre governo, academia e setor privado. Esse avanço, que é fruto de décadas de investimento público e pesquisa científica, somados agora ao dinamismo da iniciativa privada, fortalece o ecossistema espacial brasileiro, ao lado de institutos e centros como o DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial), IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), CLBI (Centro de Lançamento da Barreira do Inferno) e CLA (Centro de Lançamento de Alcântara). O efeito dessa união de esforços é o desenvolvimento de capacidades inéditas no país: passamos a projetar e construir sistemas complexos (computadores de bordo, plataformas inerciais, controladores) que antes teríamos de importar, o que posiciona o Brasil como parceiro tecnológico, em vez de mero comprador;
Além de aumentar a independência em programas espaciais e de defesa, o desenvolvimento dessa tecnologia fortalece a indústria local de forma transversal. Empresas envolvidas aprimoram suas competências, formam-se profissionais altamente especializados e geram-se inovações que podem transbordar para outros setores, como aviação, automação, sistemas de transporte e agricultura de precisão.
Um exemplo: sensores inerciais e algoritmos desenvolvidos para foguetes podem ser adaptados para melhorar a estabilização de aviões, drones ou até máquinas agrícolas. Ou seja, investir no SNI-GNSS e em computadores de bordo não apenas garante autonomia no acesso ao espaço, mas também consolida uma base tecnológica capaz de impulsionar a inovação em diversas frentes da economia.
Por fim, o sucesso do MLBR com seus sistemas de navegação e controle nacionais pode marcar a realização de um sonho de longa data: a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). Concebida no final dos anos 1970, a MECB tinha o objetivo de tornar o Brasil capaz de desenvolver, lançar a partir do próprio território e operar seus próprios satélites. Com um microlançador orbital prestes a se tornar realidade, lançando satélites desde solo brasileiro, estaremos a um passo de cumprir essa visão histórica. Isso representará um legado duradouro para o país: a entrada definitiva do Brasil no seleto clube de países que dominam todas as etapas da cadeia espacial, abrindo caminho para futuras gerações de lançadores e projetos ainda mais ambiciosos.
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