Autonomia espacial: por que o Brasil precisa dominar sua própria tecnologia de navegação inercial
Lançar um foguete ao espaço é uma operação que exige precisão absoluta. Cada metro de altitude, cada grau de orientação e cada fração de velocidade precisam ser medidos corretamente durante o voo. Um pequeno erro pode sair caro: em lançamentos de satélites, qualquer desvio na navegação pode significar a falha da missão, comprometendo o posicionamento correto da carga útil em órbita.
Por isso, existe um dispositivo tecnológico a bordo desses veículos: o Sistema de Navegação Inercial (SNI), responsável por garantir que o foguete “saiba” exatamente onde está, para onde vai e em que velocidade, do solo até o espaço. Durante o voo, sensores inerciais embutidos no foguete (acelerômetros e giroscópios) monitoram continuamente os movimentos e variações de trajetória, o que permite correções rápidas quando algo foge do plano.
Mas o que acontece quando um país não tem acesso livre a esse tipo de tecnologia? E por que o Brasil decidiu desenvolver seu próprio SNI, com tecnologia totalmente nacional? Confira o artigo completo e entenda por que a autonomia em navegação inercial é considerada uma peça-chave para o futuro espacial brasileiro!
Por que a autonomia em navegação inercial é vital hoje
Atualmente, os sistemas inerciais de alta precisão estão sujeitos a fortes restrições internacionais, como as regras do ITAR (International Traffic in Arms Regulations) dos EUA, que impedem a livre transferência dessa tecnologia. Isso significa que países sem domínio próprio enfrentam embargos e dificuldades para obter componentes críticos. O Brasil enfrentou essa realidade durante o projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS): foram feitas diversas tentativas de aquisição de sistemas inerciais avançados no exterior, mas sucessivos embargos bloquearam o acesso, atrasando e encarecendo o programa.
Ficou claro que, sem autonomia, a nação fica vulnerável a decisões de outras nações sobre o que podemos ou não lançar ao espaço. Além dos embargos, há outro fator crucial: pouquíssimos países dominam a tecnologia de navegação inercial de ponta. Apenas um seleto grupo – Estados Unidos, Rússia, China, países da Europa (como a França), Índia, Japão e Israel – conseguiu desenvolver e fabricar sistemas inerciais de alta precisão para foguetes e mísseis. Essa exclusividade não é por acaso.
O SNI é considerado uma tecnologia de dupla utilização (dual-use), com aplicações civis e militares, o que a torna sensível do ponto de vista geopolítico. Um sistema que guia um foguete lançador de satélite também pode guiar um míssil, por exemplo. Logo, quem detém essa capacidade não costuma compartilhá-la livremente, evitando proliferação de armamentos avançados.
Ter
autonomia em navegação inercial, portanto, é vital para o
Brasil assegurar sua soberania espacial
e de defesa, sem ficar refém de acordos internacionais ou fornecedores externos. Desenvolver o próprio SNI-GNSS insere o país nesse clube restrito e evita que programas estratégicos sejam paralisados por vetos ou limitações impostas de fora.
Como o Brasil está desenvolvendo seu próprio sistema
Consciente desses desafios, o Brasil iniciou esforços para criar sua própria plataforma inercial de última geração. O esforço tomou forma por meio do Consórcio DJED, uma parceria inovadora entre as empresas Horuseye Tech, Concert Space e Cron. Sob encomenda tecnológica da Agência Espacial Brasileira (AEB), o consórcio está desenvolvendo o SNI-GNSS, um Sistema de Navegação Inercial híbrido com auxílio de GNSS, destinado ao futuro lançador nacional (projeto Microlançador Brasileiro – ML-BR).
O SNI-GNSS combina sensores inerciais de precisão (que funcionam independentemente de sinais externos) + um receptor GNSS espacial (que capta sinais de satélites como GPS, Galileo etc.). Em termos práticos, os acelerômetros e giroscópios medem os movimentos do foguete em tempo real, enquanto o receptor GNSS corrige eventuais derivações, além de fornecer coordenadas absolutas quando disponível.
Assim, mesmo que o sinal de satélite se perca momentaneamente durante o voo, o foguete não “fica cego” – o SNI continua calculando onde ele está e para onde vai, com o GNSS pronto para reajustar a solução assim que o link retornar. Assim, a arquitetura híbrida garante navegação precisa mesmo em condições extremas ou na ausência temporária de sinais externos.
Do ponto de vista técnico, o projeto nacional traz diferenciais importantes. Um deles é a miniaturização. O consórcio adotou sensores baseados em Tecnologia MEMS (Micro-Electro-Mechanical Systems), que permitem construir acelerômetros e giroscópios em escala muito compacta. O resultado é um sistema menor e mais leve que os modelos tradicionais, sem sacrificar desempenho.
No setor espacial, reduzir peso é ouro: cada grama economizada no computador de navegação é uma grama a mais de carga útil que o foguete pode levar. A solução SNI-GNSS do Brasil se destaca por otimizar massa e volume, ajudando a maximizar a capacidade do lançador. Além disso, a tecnologia é capaz de se adaptar a diferentes veículos e cenários, seja um microlançador orbital ou um foguete de sondagem atmosférica.
Esse desenvolvimento 100% brasileiro segue as tendências globais mais avançadas. Muitos países estão substituindo caros giroscópios a laser ou de fibra ótica por soluções híbridas que integram sensores de custo/precisão moderados com dados GNSS. O SNI-GNSS vai nessa direção, aliando economia e alto desempenho. Desde o início do projeto, a equipe realizou extensos testes de calibração em laboratório e simulações dinâmicas de voo, ajustando modelos e algoritmos para garantir que, quando chegasse a hora do lançamento, o sistema estivesse afinado.
Testado em solo brasileiro, pronto para voar
Em 2025, o sistema passou por rigorosos testes de qualificação em solo brasileiro, projetados para replicar fielmente as condições de um lançamento real. Um dos principais ensaios foi o teste de vibração, no qual o dispositivo foi submetido a trepidações intensas em laboratório, simulando todas as fases do voo: desde as violentas vibrações da ignição do motor, passando pelo pique de aceleração durante a subida, até as mudanças bruscas na separação de estágios.
Engenheiros especializados conduziram simulações precisas da trajetória do foguete, integrando dados GNSS nas simulações para reproduzir o ambiente operacional o mais próximo possível da realidade. Em resumo, o SNI-GNSS enfrentou na bancada condições semelhantes às que encontraria dentro de um foguete de verdade.
Os resultados foram animadores. O sistema suportou todas as condições extremas sem falhas, mantendo a precisão de navegação e a estabilidade operacional em cada fase simulada do lançamento. Vale destacar que esses testes não são importantes apenas do ponto de vista técnico, mas também estratégico: provar a eficiência do SNI-GNSS construído aqui é reduzir a dependência de soluções estrangeiras e fortalecer a soberania tecnológica do Brasil.
Outra etapa crucial foi o teste de integração do SNI-GNSS com o Computador de Missão (CDM) do foguete – basicamente, conectar o “cérebro de bordo” e os “ouvidos/olhos” do lançador. O CDM é o computador central que comanda e monitora em tempo real os sistemas críticos do veículo, tomando decisões automáticas durante o voo. Em abril de 2025, especialistas reuniram-se para verificar se o SNI-GNSS “conversava” corretamente com esse computador central, trocando dados de navegação e comandos sem nenhum erro.
A demonstração realizada na Plasmahub mostrou, primeiro, todas as informações que o SNI consegue enviar ao CDM e, depois, como ele opera seguindo o protocolo de comunicação definido para a missão. O resultado foi a Integração bem-sucedida e operação fluida entre o SNI-GNSS e o CDM, em diversos modos de funcionamento. Com todas essas etapas superadas em solo, o SNI-GNSS brasileiro está, literalmente, pronto para voar.
Soberania e legado para o futuro
Como vimos, um SNI próprio elimina a dependência de fornecedores estrangeiros e reforça a soberania nacional em programas espaciais e de defesa. Além disso, posiciona o país como parceiro tecnológico em vez de mero comprador, abrindo espaço para colaborações de alto nível.
O desenvolvimento dessa tecnologia também fortalece a indústria local, estimula a formação de profissionais qualificados e gera aplicações em setores como aviação, defesa, transporte e agricultura. Ao investir no SNI-GNSS, o Brasil não apenas assegura autonomia no acesso ao espaço, mas também consolida uma base tecnológica capaz de impulsionar inovação em diversas frentes.
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